Não fará perguntas nenhumas pela simples razão de que, aqui, ninguém ignora que eu sou a tua favorita do momento. Ninguém se mostrará surpreendido por tu mostrares alguma solicitude.
Ele reflectiu por uns momentos e depois, aproximando-se da jovem, tomou-a nos braços sem parecer aperceber-se da sua ligeira resistência e escondeu-lhe o rosto no pescoço:
Então, façamos melhor ainda! murmurou ele. Savaglio fica aqui e eu próprio te escoltarei.
Queres?...
Por que não? Já que toda a gente está ao corrente, não há razão para não agirmos à luz do dia. Arrisco-me apenas, ao longo do caminho, a receber algumas piadas lascivas sobre os prazeres que vou ter à noite. Não, não digas nada! Lembra-te da minha carta: não quero ficar sem ti mais uma noite...
Ora, nessa noite, Fiora não reencontrou a felicidade indolente que conhecera durante as últimas semanas. Talvez porque não se sentisse verdadeiramente livre. No quarto vizinho, vazio até àquela noite, Carlo repousava, profundamente adormecido graças à droga administrada por Demétrios para lhe acalmar as dores. O jovem sofria, de várias costelas partidas, sem contar com as diversas esfoladelas no rosto e no couro cabeludo. Mas a sua presença no outro lado da parede incomodava Fiora e nem toda a arte amorosa de Lourenço foi capaz de a descontrair...
Após se saciar uma primeira vez, este apercebeu-se e após algumas tentativas para acordar naquele belo corpo um ardor igual ao seu, acabou por se deixar cair no leito, os olhos fixos no dossel cujas cortinas brancas os envolviam com uma luminosidade rosada provocada pela vela.
Devias ter-me dito a verdade - suspirou ele. Já não me amas?
Eu nunca te disse que te amava murmurou Fiora. Tu também não, aliás...
Estou a prová-lo, parece-me?
Não. Estás a provar o teu desejo, o teu coração não é para aí chamado.
Mas estou cheio de ciúmes e, há pouco, teria estrangulado aquele infeliz.
E isso será mesmo ciúme? Tu sabes que ele não fez nada e que nunca poderia haver nada entre nós. Não será antes por ele ser um Pazzi?
Talvez... se bem que ele me inspire, antes de mais, piedade. Mas tu, Fiora, que te diz o teu coração acerca de mim?
Honestamente, não sei. Eu gosto do amor que tu me dás e o meu corpo excita-se quando tu te aproximas...
Esta noite não, em todo o caso!
Concordo... mas não me queiras mal por isso: o dia foi difícil.
Além disso, não suportas a ideia de uma presença no outro lado da parede?
Também. Sinto um incómodo bizarro... como se fôssemos verdadeiramente casados.
De repente, a jovem ouviu-o rir-se:
Se é só isso!
Saltando do leito, ele enfiou os calções e as botas, enrolou Fiora num lençol, atirou-lhe para cima com algumas almofadas apesar dos seus protestos e depois, agarrando no todo saiu do quarto, desceu as escadas, atravessou o vestíbulo e desatou a correr através do jardim ainda molhado da última chuvada até à pequena gruta onde Francesco Beltrami gostava de se refugiar durante os dias quentes de Verão. Uma tina e uma bica com cabeça de leão ocupavam o centro e a canção da água acalmava o espírito muitas vezes acabrunhado do grande negociante.
Lourenço pousou Fiora no chão, espalhou as almofadas e deixou-se cair em cima delas com a jovem, que desenrolara, entretanto, do lençol, como se fora um pião:
Pronto! declarou ele alegremente. Acabaram-se os vizinhos incómodos! Doravante amar-nos-emos aqui.
Fiora não pôde resistir. Arrebatada por uma sarabanda louca de carícias, deixou que a sua necessidade de amor e a sua juventude levassem a melhor.
No dia seguinte, através da magia do Magnífico, a pequena gruta, vestida com grandes lírios de água, de cetins irisados, de cristais glaucos e com um tapete sedoso que lembrava erva azul, assemelhava-se aos retiros encantados dos contos orientais. O amor experimentou ali um sabor novo porque se libertava dos constrangimentos impostos pela grande villa e dava aos dois amantes a impressão deliciosa de estarem sós no coração do primeiro jardim do mundo.
Uma noite em que, após se terem banhado e feito amor na tina e enquanto Lourenço enxugava com um cuidado devoto o corpo de Fiora, esta, que molhava os lábios numa taça de vinho de Chipre, suspirou, estendendo-a ao amante:
Tenho vergonha de mim própria, Lourenço... Nunca conseguirei arrancar-me a ti...
Espero bem que não. E por que razão nos havíamos de separar?
Esqueces que tenho um filho, que não o vejo há meses... e que tenho saudades dele.
Eu mando-o vir em breve. Sabes, eu penso muito em nós e não me faltam projectos. Até dei ordens para que reparem, para ti, o antigo palácio Grazzini. Viverás lá com o teu filho e os teus criados sob o nome de Selongey. Não... não digas nada! Farei do teu filho um dos primeiros homens de Florença. Será rico, poderoso e nada o impedirá, chegada a ocasião, de ir servir com as suas armas o soberano que quiser escolher... Quanto a nós, ficaremos juntos, minha flor preciosa, e poderei continuar a rodear-te de cuidados... e de amor.
De amor?
Claro. Se o que nos une não é isso, parece-se terrivelmente. Florença vai viver dias sombrios, Fiora. Eu vou precisar, mais do que nunca, das horas incomparáveis que tu me dás. Quanto a ti, desempenharás, no coração dos meus súbditos, o papel que pertencia a Simonetta, porque a sua natureza profunda é atraída pela beleza perfeita. A eles, parece-lhes que Florença não pode brilhar se não estiver encarnada numa mulher deslumbrante... Não te preocupes com nada! Deixa-me agir! Juntos, ganharemos a batalha contra este Papa indigno, que quer o nosso extermínio.
Sisto IV abrira as hostilidades. Uma breve, datada de 1 de Junho de 1478, excomungava ao mesmo tempo Lourenço, ”filho da iniquidade”, cujo maior defeito, aos seus olhos, era estar ainda vivo e os priores da Senhoria, ”possuídos de sugestão diabólica e dominados, como cães, por uma raiva delirante”, por terem ousado enforcar um arcebispo nas suas janelas.
Lourenço recebeu a notícia sem pestanejar. As cóleras de um Papa indigno não o interessavam. Contentou-se a reenviar para Siena, sob uma boa escolta, o jovem cardeal Rafaele Riario que, após o assassínio cometido na catedral, vivia num estado de estupor profundo. O que não acalmou, de modo nenhum, o pontífice ulcerado. Os Florentinos receberam ordem de entregar Lourenço de Médicis a um tribunal eclesiástico, diante do qual ele responderia pelos seus crimes. Uma ordem que não teve sucesso. O povo recusou todo e qualquer convite à revolta: não aceitava nenhuma ordem do Papa de carácter temporal. E fechou-se de corpo e alma em redor do príncipe a quem se entregara, partilhando o desgosto que lhe causava a morte do irmão, aquele Giuliano em quem todos os Florentinos viam a imagem acabada do encanto e arte de viver da sua cidade.
O Papa preparou-se, então, para a ”guerra santa”. Ao mesmo tempo que recrutava condottieri e reforçava a sua aliança com Nápoles e Siena, escrevia a toda a Europa, convidando os príncipes cristãos a tomar parte no cerco final.
O resultado desse fulminante correio pontifício foi muito diferente do que o seu autor esperava. Os soberanos da Europa não viam qualquer motivo para se lançarem ao ataque de Florença apenas para agradar a um papa que queria punir, através do extermínio de uma cidade, um atentado sacrílego cometido numa igreja. As mensagens chegadas ao Vaticano, plenas de reverência e fórmulas atenciosas, demonstravam uma vulgaridade desencorajante. Um só destinatário não respondeu: o Rei de França, decidido a dar a conhecer, assim, a sua opinião.
Numa tarde de meados de Junho, Fiora, sabendo que Lourenço, retido pelos negócios, não iria ter consigo nessa noite, passeava-se no jardim com Demétrios e Carlo, este sustido por ambos, um de cada lado. Admiravelmente tratado pelo grego, livre dos impiedosos constrangimentos impostos a si próprio desde a infância a fim de sobreviver, o jovem abandonava-se à simples alegria de viver. Naquele enquadramento, parecido com o que amava, Carlo podia receber cuidados atentos, sentir a amizade e passar os dias entre um homem de espírito profundo e de grande cultura e uma mulher encantadora que lhe testemunhava uma afeição de irmã. O jovem não ignorava, evidentemente, o que acontecia muitas noites na pequena gruta, mas, como nunca se considerara marido de Fiora, limitava-se a sorrir, feliz por, após tanto sofrimento, a sua amiga encontrar, finalmente, um pouco de felicidade. Entretanto, era demasiado fino para não sentir o lado precário daquele romance apaixonado.
Dois solitários que um naufrágio atirou para um mesmo barco! disse ele um dia a Demétrios. Ambos encontraram nele víveres e, porque o mar acalmou, porque o céu ficou azul, esperam chegar a uma qualquer costa encantada para ali viverem um amor e uma juventude eternos.
Crês, na verdade, que o amor deles está ameaçado?
Não pode deixar de estar; são demasiado diferentes um do outro. Fiora é demasiado nobre, demasiado orgulhosa para este papel de favorita, publicamente declarado, que Lourenço lhe impõe. Além disso... ela não o ama verdadeiramente. Se os seus olhos não brilham quando ouve pronunciar o seu nome, é porque não ecoa no seu coração.
Poderá vir a ecoar, um dia? Por vezes, uma paixão carnal transforma-se em sentimentos profundos.
Enche um tambor de areia e bate depois nele! Nunca vibrará. O coração de Fiora é esse tambor e a recordação de um outro amor enche-o por completo.
Mas esse amor está morto.
Talvez, mas isso não muda nada. Lourenço, apesar de não o saber, limita-se a ajudar Fiora a passar os dias de modo agradável enquanto ela espera reencontrar, no fim do caminho, para a eternidade, a mão que ela escolheu...
A partir desse momento, Demétrios votou ao jovem enfermo uma amizade que se assemelhava a uma verdadeira afeição. Uma vez curado dos seus ferimentos, já que não podia fazer grande coisa por aquele corpo desgraçado, prometeu a si próprio ajudar a desabrochar uma inteligência que conquistara o seu respeito.
O médico pensava nessa conversa enquanto os três desciam lentamente os degraus largos e suaves que ligavam os diferentes terraços do jardim. Entretanto, Fiora parecia feliz. Sustendo o braço esquerdo de Carlo, falava alegremente, explicando os melhoramentos que contava fazer na sua casa e arredores. O seu perfil fino, velado por um ligeiro e frágil véu azul, destacava-se com a nitidez de uma antiga cinzelagem nas longínquas colinas cor de malva e o grego interrogou-se: Carlo teria razão ao crê-la ainda habitada pelo amor de outros tempos? A jovem parecia de tal modo viver a hora presente! Era como se tivesse esquecido aqueles de quem estava afastada há meses: a sua casa de Touraine, a sua velha Léonarde e, sobretudo, o seu filho. Aquela que se regozijava em segredo a chamar de filha tornara-se naquela criatura superficial, unicamente preocupada com as suas noites ardentes com Lourenço, não esperando outra coisa da vida?
Estou a ficar velho, pensou Demétrios com alguma tristeza, já não sou capaz de ler o seu coração e, sobretudo, os olhos do meu espírito perderam o poder de perfurar as brumas do futuro. No entanto.
Um som de passos rápidos no cascalho do jardim acordou-o da sua meditação. Descendo a alameda onde umas laranjeiras envasadas, recentemente saídas da sala da villa onde tinham passado o Inverno, alternavam com loureiros metidos em altos vasos de barro vermelho, Esteban, que vinha da cidade, acorria a toda a pressa.
Trago notícias! gritou ele de longe assim que viu os passeantes. O Rei de França enviou um embaixador a monsenhor Lourenço!
O castelhano vinha esbaforido e as últimas palavras perderam-se um pouco no vento da tarde, mas Fiora tinha percebido o principal: Isso é bom, ou mau? perguntou ela sem procurar dissimular uma certa inquietação.
Muito bom, certamente! E melhor ainda porque se trata de um dos vossos amigos!
Um amigo? Quem? Falai, Esteban, fazeis-nos morrer de ansiedade!
Messire Philippe de Commynes, donna Fiora! Não ides dizer-me que não é um amigo! Chega pelo São João. Monsenhor Lourenço, com quem estive há uma hora na Badia, foi avisado por um cavaleiro rápido logo a seguir ao meio-dia.
Quem é esse Philippe de Commynes? perguntou Carlo, que se interessava cada vez mais, a cada dia que passava, pela vida exterior.
É o melhor conselheiro do Rei Luís a despeito da sua pouca idade, porque ainda não chegou aos trinta. Durante muito tempo ao lado do defunto duque de Borgonha, abandonou-o ao perceber a política rígida que este queria exercer. Conheço-o bem, com efeito e creio poder afirmar, como Esteban, que é para mim um excelente amigo.
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